O IPEATRA, Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho, emitiu no dia 09 de março, uma nota pública onde expressa sua posição com relação a entrevista concedida pelo Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ao diário "O Globo". Leia a nota na íntegra:
NOTA PÚBLICA
O INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS AVANÇADOS DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (IPEATRA), no exercício de suas atribuições estatutárias, por deliberação de sua Diretoria e à vista do teor da entrevista de Sua Excelência o Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DD. Presidente do C. Tribunal Superior do Trabalho, ao diário “O Globo”, vem a público externar o seguinte.
1. Entre as balizas conceituais do Estado Democrático de Direito está, desde ao menos as revoluções liberais e os cadernos federalistas, a independência das Magistraturas. O juiz, tal qual o membro do Ministério Público, fala nos autos, de acordo com o seu livre convencimento motivado. O Estado-juiz não opina, decide; e, ao decidir, conforma deontologicamente o mundo do dever-ser. Por isso, «jurisdictio», em acepção contemporânea, é bem mais do que “dizer a vontade concreta da lei”. É co-criar o próprio Direito. Daí porque as falas de Sua Excelência o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho n´“O Globo” não expressa nada mais que a sua opinião, como cidadão, pronunciada fora dos autos. É legítimo que o faça, porque a todos os cidadãos está reservada a liberdade de expressão e de opinião. Mas é igualmente preciso ter em conta que, ao opinar, não fala necessariamente pelo Tribunal Superior do Trabalho. Nem pela Justiça do Trabalho. E tanto menos pela Magistratura do Trabalho, que não o elegeu — o que, ademais, revela antiga distorção democrática no modelo de representação institucional do Poder Judiciário nacional, contra a qual têm lutado todas as associações nacionais de juízes.
2. Nesse mesmo ensejo, ademais, impende fazer o público e respeitoso contraponto, para o esclarecimento e a reflexão da sociedade civil, tal como já fizeram outras entidades associativas de magistrados laborais. O IPEATRA, pelas centenas de juízes e procuradores do Trabalho que congrega, não vê a realidade com os mesmos matizes do atual Presidente do TST. Não compreende o Direito do Trabalho sob as mesmas premissas. E desde logo afirma a sua absoluta convicção de que a Constituição da República Federativa do Brasil não prevê a necessária flexibilização de direitos sociais em crises econômicas, ao contrário do que afirmou categoricamente S. Exª.
3. O IPEATRA não reconhece benefícios quaisquer na universalização do fenômeno da terceirização, ao modo como se pretende, p.ex., na atual redação do PLC n. 30/2015, em tramitação no Senado da República. Desafia os seus defensores a demonstrarem, em qualquer ponto do mundo, a existência de uma única experiência em que a terceirização de certo segmento ou atividade produtiva tenha significado, para os respectivos trabalhadores, uma condição social igual ou superior àquela dos trabalhadores que, no mesmo segmento ou atividade, prestam serviços diretamente para as empresas tomadoras.
4. O IPEATRA compreende que a primazia acrítica do negociado sobre o legislado, como parece propor S. Ex.ª, viola o princípio da norma mais favorável, que está no caput do artigo 7º da Constituição (e comanda, portanto, a interpretação do seu inciso XXVI), por permitir que acordos e convenções coletivas de trabalho estabeleçam livremente condições sociais inferiores àquelas ditadas pela lei. Além disso, do ponto de vista socioeconômico, a proposta é potencialmente ruinosa, porque a primazia da negociação coletiva arrimar-se-ia em um modelo sindical que ainda sobrevive de tributos (contribuição sindical obrigatória), não convive com a pluralidade sindical e, apesar da unicidade constitucionalmente imposta, multiplica-se artificiosamente, sem qualquer compromisso com graus mais elevados de legitimidade política e sociológica.
5. O IPEATRA repudia veementemente a ilação de que Ministério Público e Justiça do Trabalho impõem ao empresariado indenizações por danos morais descabidas, irresponsáveis ou “de mão beijada”. Lamenta, ao revés, que a realidade brasileira ainda conviva com um Direito do Trabalho basicamente patrimonializado, em que se monetizam a saúde e a integridade física e moral de trabalhadores, “precificando-se”, por sentenças e acórdãos, algo que a rigor não tem preço. Notadamente no que diz com o meio ambiente do trabalho, as sanções pecuniárias deveriam ser mais amiúde, prévia e exemplarmente impostas, com caráter inibitório, para exatamente impedir os sinistros que valeram ao Brasil o décimo lugar mundial em acidentes do trabalho e quarto em fatalidade laboral (OIT, 2013). Direitos humanos fundamentais não são sequer “indenizáveis”, na literalidade da expressão; tanto menos poderiam ser bagatelizados para assegurar a saúde financeira de empresas que não cuidam adequadamente da honra, da saúde ou da segurança de seus trabalhadores. Aliás e como parece, com essa visão foi lançado em 2011 o Programa Trabalho Seguro – Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, iniciativa do próprio Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, em parceria com diversas instituições públicas e privadas, visando à formulação e execução de projetos e ações nacionais voltados à prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. Assim, parecem contraditórias a posição e críticas do seu atual Presidente contra as indenizações por danos morais fixadas por Juízes do Trabalho exatamente como consequência dos irreversíveis danos causados aos trabalhadores, especialmente aqueles vitimados por acidentes e doenças do trabalho por conta do descaso de muitos